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Auxílio emergencial e os pagamentos no mercado de crédito

O benefício contribuiu para redução da inadimplência do consumidor no segundo semestre. Foi uma surpresa, porque se esperava uma explosão do endividamento com as restrições ao trabalho e a redução da renda

Os efeitos nocivos do novo coronavírus sobre a população e a economia tomaram as manchetes no ano de 2020. Dada a alta velocidade de propagação do vírus, a procura por uma vacina eficaz no combate ao mesmo se tornou prioridade e, em tempo recorde, diversas alternativas surgiram. Contudo, mesmo com a imunização da população, prevista para os próximos meses, o tempo de recuperação da economia como um todo deverá ser mais longo.

Evidentemente, vacinar a população é o primeiro e mais importante passo na tentativa de reverter o cenário caótico deixado até aqui e, a partir de então, a economia deverá receber cuidados especiais.

Uma das discussões agora se concentra na continuidade ou não do programa de auxílios emergenciais, que com sucesso, aliviou a situação financeira de muitas famílias. E essa não é uma discussão somente nacional. Embora o auxílio tenha sido fundamental durante a pandemia, seria, no mínimo, imprudente desprezar o efeito disto sobre o resultado fiscal.

Em 2019, a relação entre a dívida pública e o PIB era de aproximadamente 76%, mas esse número pode ter atingido a marca de 96% em 2020 (a se confirmar nas próximas mensurações do BCB e do IBGE).

A tabela ao lado deixa claro o efeito do auxílio emergencial sobre as contas do governo, com forte aumento do déficit de abril a setembro. Diante disto, ainda que a situação não seja totalmente favorável à população, a continuidade do programa de auxílios emergenciais, no molde atual, também não seria saudável à economia como um todo, dado que o processo de reversão do impacto da pandemia sobre as contas públicas é demasiadamente longo, como mostram os dados projetados pela Secretaria do Tesouro Nacional, Fazenda e Ministério da Economia.

A título de comparação, a economia estimada com a reforma da previdência seria de R$ 800 bilhões em 10 anos e, desde o início da pandemia, já foram gastos aproximadamente R$ 700 bilhões.

Estes recursos foram essenciais para evitar um colapso da economia, mas trouxe um grande desafio à política fiscal pelos próximos anos. Por essa razão a reforma fiscal é de suma importância para recolocar a trajetória da dívida pública no caminho certo e sinalizar ao mercado a responsabilidade do governo com as contas públicas, desatando os nós do investimento privado e possibilitando um período de crescimento econômico sustentável.

De certa forma, é esperado que o programa de auxílios emergenciais seja reavaliado e reduzido de forma gradual, ou se transforme em novo programa nos moldes do bolsa família, a fim de evitar maiores conflitos de cunho político ou social, mas isso se deve também ao fato de que algumas variáveis relacionadas a renda e ao emprego permanecem enfraquecidas.

Segundo o IBGE, a taxa de desemprego atingiu patamares historicamente altos e a informalidade voltou a crescer, mais do que isso, de acordo com o Ministério da Cidadania, em estudo feito com os dados da PNAD COVID19, a contribuição do auxílio emergencial para reduzir a taxa de extrema pobreza no país foi enorme.

Em termos de resultado de política fiscal, o país regrediu, e muito, mas isso foi consequência de uma crise até então sem precedentes. Agora se faz necessário retomar as rédeas da situação e a agenda de reformas e privatizações iniciadas durante o governo Temer.

Os novos presidentes do Senado e da Câmara tocam no assunto, mas ainda não convencem. Muito se fala a respeito de uma segunda onda de contaminação em função das variantes do coronavírus, mas pouco se fala, por exemplo, sobre o amplo espectro das vacinas já existentes e da irresponsabilidade fiscal que seria manter o programa atual sem qualquer alteração nos valores e critérios de elegibilidade. Isso poderá ser doloroso no começo, mas permitirá ao país estar mais bem preparado para absorver futuras crises que virão, só não se sabe quando.

O auxílio emergencial contribuiu também para redução da inadimplência do consumidor no segundo semestre, conforme estudo realizado pela Boa Vista com base nos dados do Cadastro Positivo. Esse fenômeno surpreendeu o mercado de crédito, que esperava incialmente uma explosão da inadimplência com as restrições ao trabalho e a redução da renda.

O gráfico abaixo mostra que o percentual de atrasos em fevereiro de 2020 das pessoas que posteriormente receberiam o auxílio emergencial era de 20,9%, subiu para 25,8% no auge da crise em abril e caiu para 18,3% em outubro. Foi ainda mais interessante notar que a diferença de nível entre a curva daqueles que receberam o auxílio e a curva do geral (que incluiu ambos os grupos, os que receberam e os que não receberam) atingiu 8 p.p. em abril e caiu para 2,7 p.p. em outubro, sendo que, em média, esse desnível costuma ser de 6,5 p.p. Enfim, mais um fator que corrobora o represamento da inadimplência, além do benefício gerado pelo auxílio emergencial em detrimento do resultado fiscal.

É claro que o auxílio não foi o único responsável por este fenômeno. A postergação de dívidas dos concedentes de crédito e a redução da demanda por crédito do consumidor também são fatores determinantes na redução da inadimplência nesse período.

Diante do exposto, não faltam desafios em 2021. Retomada da atividade econômica e da agenda de reformas e privatizações, redução da dívida pública e do desemprego, inadimplência possivelmente ascendente e crédito mais escasso. Além disso ainda existe a necessidade de manter a inflação sob controle com o já esperado aumento nos juros.

O cenário para 2021 não deve dar pausa para respirar.

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