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Reforma trabalhista não sai sem liderança e didatismo, diz Pastore

Economista fez palestra nesta terça (27/09) no Conselho de Economia da ACSP e insistiu que direitos seriam mantidos com a prevalência da negociação entre empresários e sindicatos

Para o sociólogo e economista José Pastore, uma das maiores autoridades do país em questões trabalhistas, a reforma da legislação nessa área precisa ser feita com liderança, que deve vir do governo, e com um extremo didatismo, para não induzir à percepção de que ela acarreta na perda de direitos.

Pastore fez palestra nesta terça-feira (27/09) no Conselho de Economia da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Os trabalhos foram presididos por Alencar Burti, presidente da ACSP e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), e pelo coordenador do conselho, economista Roberto Macedo.

Professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP, Pastore insistiu na necessidade de se reafirmar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) será “toda preservada” e que o objetivo final é aperfeiçoá-la no sentido de abrir mais as portas do mercado de trabalho, algo hoje essencial em razão dos 12 milhões dedesempregados.

Citou o exemplo da França, onde a legislação fixa a jornada semanal em 35 horas. Mas se empregados e empregadores acreditarem em negociação que o número de horas deva ser maior, as duas partes poderão fazê-lo, sabendo, desde o início, que, caso o resultado não seja satisfatório, poderão recuar às 35 horas na negociação seguinte.

Também se referiu à Austrália, onde as propostas de reforma trabalhista foram amplamente divulgadas durante um ano. Ao obterem a adesão da população, o Parlamento a aprovou sem maior dificuldade.

Com relação à liderança política para chegar às reformas, Pastore lamentou as declarações desencontradas do governo federal e o plano do ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, de colocar a questão em pauta apenas no segundo semestre de 2017.

“É algo politicamente inviável, porque já estaremos em pré-campanha presidencial.” Ele sugere que, ao contrário, comecem desde agora a tramitar os projetos de reforma trabalhista que já se encontram no Congresso.

Pastore discorreu, no início da palestra, sobre as aberrações existentes na CLT, “que tem 922 artigos, dos quais ao menos 200 estão ultrapassados”.

É o caso da proibição de promover um jovem assalariado em detrimento de outros com mais idade e mais tempo de trabalho. Ou a obrigação de as empresas, em nome dos 60 minutos de interrupção para o almoço, permitirem que antes disso os funcionários voltem para suas mesas. Essa flexibilização pode acarretar em pesadas multas trabalhistas.

Além da própria CLT, no entanto, a rigidez vem da jurisprudência, com instruções normativas e as súmulas decididas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).

O exemplo mais gritante é o da Súmula 331, que proíbe na empresa a terceirização das atividades fins (sem que exista uma definição clara do que é fim e do que é meio). A súmula teve dois desdobramentos no mínimo curiosos.

Por um deles, uma empresa de papel celulose foi punida porque terceirizava para um grupo de pequenos empreendedores o corte e o transporte do eucalipto.

Depois de pagar todas as multas, a papeleira importou maquinaria na Finlândia que se encarregava do corte. Com isso, deixou desempregados 12 mil pessoas que trabalhavam para os terceirizados. O resultado foi o colapso econômico do município da Bahia em que o fato há três anos ocorreu.

No mesmo setor de negócios e igualmente punida por ter terceirizado o corte e o transporte de árvores, uma outra empresa não se conformou e interpelou o Supremo Tribunal Federal (STF), onde a questão ainda se encontra.

O argumento básico do recurso foi o seguinte: uma empresa é obrigada em todas as circunstâncias a obedecer a lei. Mas será que ela também precisa fazê-lo quando se trata de uma súmula?

O que está em jogo, disse Pastore, é a própria terceirização, que já foi objeto de um projeto modernizante aprovado na Câmara dos Deputados, agora tramitando no Senado.

Tudo isso ocorre num clima em que a Constituição, disse Pastore, traz 76 vezes a palavra “direitos” e apenas quatro vezes a palavra “deveres”. A palavra “produtividade” aparece só duas vezes, e “eficiência”, uma única vez.

A terceirização é ainda um bom exemplo da necessidade, que Pastore defendeu, de “respeitar o que as partes negociam”. Não se trata propriamente de sobrepor “o negociado ao legislado”, o que supõe contrariar direitos fixados em lei.

“A lei estará lá. Se o resultado da negociação for negativo, volta-se ao texto da legislação.”

Dentro de um quadro mais flexibilizado, o sociólogo e economista disse que o Brasil superaria alguns gargalos na geração de empregos e poderia adotar o exemplo de países estrangeiros.

É o caso dos mais jovens, com dificuldade de entrar no mercado de trabalho. A legislação prevê para o mais jovem e para o mais velho e experiente os mesmos encargos. Nada impede que para o primeiro emprego o jovem seja contratado por determinado período com encargos menores.

Em resumo, “o Brasil nunca esteve tão perto de aprovar duas ou três medidas” para arejar as relações trabalhistas. Caso elas não venham, as empresas mais capitalizadas tendem a acelerar a robotização de seus procedimentos. “E então teremos uma robotização precoce”, afirmou.

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