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Acredite! A retomada agora é para valer
Depois da hecatombe econômica dos últimos dois anos, o Brasil se depara com os primeiros sinais da recuperação. Inflação sob controle, investimentos em alta e o aumento da confiança de empresários e consumidores mostram que o País está pronto pa
Se fosse preciso definir em uma única palavra o que os brasileiros enfrentaram no plano financeiro nos últimos dois anos, não haveria outra melhor do que “tragédia”. Entre 2015 e 2016, a queda na atividade econômica superou 7%, a maior recessão em quase um século. O total de desempregados chegou a impressionantes 13,5 milhões, mais do que a população inteira de um país como a Grécia. Os investimentos travaram. A inflação disparou. Os consumidores sumiram. Nesse período, as perspectivas de melhora eram nulas e não poderia ser mais desanimador ouvir as lamúrias de empresários e economistas. Agora, o cenário é bem diferente – e não se trata de otimismo exagerado. Basta dar uma boa espiada nos indicadores econômicos para entender que, sim, o Brasil saiu da turbulência. Sim, o pior ficou para trás. Sim, o País vai voltar a crescer. Na semana passada, uma notícia surpreendeu o mercado. O índice do Banco Central que aponta o ritmo de crescimento da economia, uma espécie de prévia do PIB, avançou 1,31% em fevereiro na comparação com o mês anterior. Detalhe: as projeções estimavam alta de 0,55%. Embora seja preciso reconhecer que a retomada levará um bom tempo, ela é consistente e trará profundas mudanças para uma nação ferida pela instabilidade política e por seguidas barbeiragens na gestão da economia. Agora, às custas de um ajuste fiscal tão severo quanto inevitável e das medidas econômicas do novo governo, a recuperação bate à porta. É hora de escancará-la
Na economia, poucos indicadores são tão importantes para apontar caminhos do que os índices de confiança. Do lado dos consumidores, ela não era tão alta desde dezembro de 2014, antes de a crise econômica estourar. O otimismo é fruto principalmente da queda da inflação e dos juros, fatores que, somados, aumentam o poder de compra dos cidadãos e tornam o crédito mais barato. De acordo com o último Boletim Focus, a expectativa para a inflação em 2017 chegou a 4,06%. Em 2016, a disparada de preços foi de 6,29%, ante 10,67% em 2015. Já a taxa básica de juros, que hoje está em 11,25%, deve chegar a 8,5% até o final do ano. Colocados lado a lado, os números explicam por que as pessoas estão deixando a depressão para trás. “O quadro atual é de melhora para o consumidor e para decisões empresariais que vislumbram um ambiente a longo prazo”, diz Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Na indústria, observa-se a mesma motivação. De acordo com os mais recentes dados disponíveis, o índice de confiança do setor atingiu o maior nível em quase 3 anos. A recuperação é lenta, mas já deu os primeiros sinais: 13 dos 24 ramos industriais pesquisados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) tiveram expansão em março, e a capacidade produtiva instalada também vem crescendo, o que significa que o número de máquinas paradas diminuiu. Embora a produção industrial tenha caído nos últimos doze meses, em 2017 ela cresceu 0,3%. É pouco, mas trata-se de uma curva ascendente, que é o que mais interessa no campo da economia.
Índices de confiança do consumidor e da indústria atingiram os maiores patamares desde 2014, antes de a crise estourar
Nem mesmo a Operação Carne Fraca, que poderia ter freado as exportações e ameaçado o desempenho da economia, impediu o superávit recorde da balança comercial em março. O resultado positivo de US$ 7,1 bilhões foi o melhor para o mês desde o início da série histórica, em 1989. Todos os setores apresentaram alta, inclusive o de carnes, que avançou 4,4% em vendas frente a março do ano passado. Além disso, o saldo da balança no primeiro semestre deste ano também é histórico: US$ 14,4 bilhões.
Quem estava esperando o momento certo para comprar um imóvel ou trocar de carro começa a perceber que a hora chegou. Logo após o último corte na Selic, os grandes bancos do País anunciaram redução de taxas de juros para empréstimos pessoais, cheque especial, cartão de crédito e financiamento de veículos. Em março, após 26 meses amargando quedas no número de vendas, o setor automotivo viu a venda de automóveis crescer 5,5% em relação ao mesmo mês do ano passado. Detalhe importante: o último mês de alta nas vendas tinha sido em dezembro de 2014. As montadoras têm motivos de sobra para comemorar. A produção de carros, caminhões e ônibus cresceu 18,1% em março na comparação com o mesmo mês do ano passado. Segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), no acumulado do ano a produção teve alta de 24% – a melhor marca em muito tempo.
Na construção, as notícias são igualmente animadoras. O setor, que demitiu um terço dos seus trabalhadores nos últimos dois anos, projeta resultados melhores neste ano. Depois de consecutivas quedas, a projeção para 2017 é de crescimento de 0,5%. De um lado, a expectativa é pelo aumento de investimentos no setor de infraestrutura, com as novas concessões. De outro, pelo reaquecimento do mercado imobiliário, que deve conseguir vender os imóveis em estoque. “Nosso setor se recupera rapidamente”, afirma José Romeu Ferraz Neto, presidente do SindusCon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo). “Quando há investimento, você melhora a infraestrutura do País, gera empregos e renda, aumenta a arrecadação do FGTS e gera mais recursos para habitação. É uma roda que vai se retroalimentando”, afirma. A estilista Brunna Baptista, de 24 anos, é o retrato da conjuntura positiva. Ela acaba de comprar um apartamento com o noivo após três anos de espera. O incentivo foi a promoção que acaba de receber no trabalho e o novo emprego do companheiro. “Foi muito mais fácil fechar negócio agora”, diz ela. “Tivemos muito desconto e também muitas facilidades na forma de pagamento.”
A volta do emprego
Em meio a uma série de resultados positivos, o dado mais esperado diz respeito à abertura de vagas no mercado de trabalho. O indicador antecedente de emprego da FGV, que mede a expectativa de geração de postos, melhorou pela terceira vez consecutiva e chegou ao maior nível desde maio de 2010. O principal motivo de comemoração veio em fevereiro. Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostraram que foram criadas 35.612 vagas de emprego formal, o primeiro resultado positivo após 22 meses consecutivos de queda do número de empregos formais. “Na crise, o desemprego acelerou e na recuperação ele não deve cair imediatamente”, afirma Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do FGV/IBRE. “Em um primeiro momento, a partir do segundo semestre, veremos um aumento no emprego informal. Depois, no emprego com carteira assinada.” A assistente de vendas Thais Nazareth, de 33 anos, voltou ao mercado de trabalho depois de longa espera. Ela estava desempregada desde agosto de 2015. “Em março, cheguei a fazer três entrevistas em uma semana. Antes, o máximo que fazia era uma”, conta. Agora, Thais labuta em uma empresa de soluções tecnológicas que planeja investir R$ 2 milhões em novas filiais em 2017.
Os movimentos de expansão não estão restritos a apenas alguns setores. Eles chegaram a quase todas as atividades econômicas. O Grupo Positivo, que vende sistemas de ensino para escolas, assumiu a gestão de duas unidades escolares em Joinville (SC) e pretende adquirir novas escolas em 2017. “Vimos uma redução drástica no número de alunos de escolas particulares nos últimos três anos. De 2016 para 2017 isso já se estabilizou. Somos cautelosos, mas estamos otimistas”, afirma o vice-presidente do grupo, Lucas Guimarães. Na indústria farmacêutica, a confiança deve fazer o setor ampliar negócios e aumentar contratações. O laboratório Aché tem mais de 200 vagas abertas. Recentemente, a empresa realizou duas aquisições, a Nortis Farmacêutica e o Laboratório Tiaraju. “Tivemos um primeiro trimestre de bons resultados e, em 2017, o número de contratações será maior porque temos um cenário econômico mais seguro”, diz Joaquim Rocha, diretor de recursos humanos da empresa. “A sensação é que o pior já passou. O avião está com o nariz apontado para cima.”
Investimento de fora
A redução do desemprego é crucial para a queda de outro indicador: o da inadimplência. De acordo com dados da Boa Vista SCPC, o número de consumidores em situação de inadimplência caiu 4,4% este ano. No acumulado de 12 meses, houve retração de 3,6%. A expectativa é que no segundo semestre o cenário seja mais positivo, com a melhora dos números de emprego. A analista de cobranças Maria Aldenora de Andrade, de 45 anos, conseguiu quitar suas dívidas em março. Com o nome sujo há seis anos, ela tinha débitos de R$ 20 mil e aproveitou o saque das contas inativas do FGTS para renegociá-los. “Era um dinheiro que não sabia quando poderia sacar. Agora, tenho crédito e sobrou um pouco para viajar”, conta.
Entre os indicadores positivos, os especialistas concordam que o motor para a retomada econômica será o investimento direto estrangeiro. Isso porque o consumo do governo não deve subir, já que está atrelado ao ajuste fiscal, e o das famílias, assim como o emprego, deve ser um dos últimos indicadores a despontar – antes de comprar bens, os cidadãos tentam reduzir suas dívidas. Estima-se para 2017 uma captação próxima de US$ 80 bilhões de recursos vindos do exterior. “O investimento deve dar sinais de volta ao terreno positivo já a partir do segundo trimestre”, diz o economista Carlos Langoni. Os investidores têm motivos para confiar na retomada da economia brasileira. Em março, a agência de classificação de risco Moody’s, que avalia quanto um local é seguro para investimentos, melhorou a nota do Brasil de negativa para estável. Além disso, o risco-Brasil, uma espécie de seguro contra calote, retornou ao nível de maio de 2015, quando o País ainda mantinha o selo de bom pagador concedido pelas agências de avaliação de risco.
Os sinais de aquecimento do ambiente econômico são inequívocos, mas sem a aprovação das reformas econômicas propostas pelo governo – a trabalhista e a da Previdência seguem em tramitação na Câmara -, os ares podem mudar. “A Reforma da Previdência é chave para o Brasil”, diz Barbosa Filho, da Fundação Getúlio Vargas. “Sem ela, é impossível cumprir o ajuste fiscal.” Na política, a expectativa é pela conclusão da Operação Lava Jato e pelas eleições de 2018. Para os empresários, quanto antes as investigações forem concluídas e os culpados, punidos, melhor para a imagem do País. “No meio do caminho, há 2018”, diz Marcelo Neri, diretor da FGV Social e ex-ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. “A médio prazo, é preciso superar as incertezas para que entrem investimentos de alta escala.” Os primeiros passos o País já deu. Resta agora acelerar o ritmo.
Os sinais da recuperação
As boas notícias vêm de diversos setores
BALANÇA COMERCIAL
A balança comercial teve superávit de US$ 7,14 bilhões em março, melhor resultado para o mês nos últimos 29 anos
EMPREGO
O indicador antecedente de emprego da FGV melhorou pela terceira vez consecutiva e chegou ao maior nível desde maio de 2010
CONSUMO Em março, a confiança do consumidor atingiu o maior nível desde dezembro de 2014, segundo a FGV
INDÚSTRIA Nos primeiros dois meses do ano, a produção industrial acumula alta de 0,3%, enquanto no ano passado houve uma retração de 11,8% no mesmo período
VEÍCULOS Venda de veículos novos cresceu 5,5% em março e interrompeu uma sequência de 26 meses de retração
INVESTIMENTO ESTRANGEIRO O investimento estrangeiro direto teve incremento de 57% nos dois primeiros meses de 2017 em comparação a 2016, chegando a US$ 16,8 bilhões
GASTOS NO EXTERIOR Com o dólar mais baixo, o gasto dos brasileiros no exterior subiu 75% no 1º bimestre de 2017
INFLAÇÃO A mediana das estimativas para o IPCA recuou para 4,06% no último Boletim Focus, de abril
SELIC A expectativa do mercado é que o juro caia a 8,5% até o fim deste ano e se mantenha assim até o encerramento de 2018
PIB Depois de dois anos de recessão, o Ministério da Fazenda estima que o crescimento do PIB seja de 0,5% este ano e de 2,5% no ano que vem