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O Fim do Brasil
Conheci o Fede há pouco mais de um ano, em Miami. Eu estava a trabalho, claro. Ele, por sua vez, acabara de se mudar pra lá, em definitivo
Relato de Felipe Miranda, experiência com Feder:
Conheci o Fede há pouco mais de um ano, em Miami. Eu estava a trabalho, claro. Ele, por sua vez, acabara de se mudar pra lá, em definitivo.
Ficamos amigos como num passe de mágica, sob o empurrão de afinidades e coincidências. Em comum, a paixão por futebol, a coleção de discos do Caetano, a mãe brasileira e o fato de seus sobrinhos terem estudado no Colégio São Luís. “Mundo pequeño.”
Conversamos por três horas ininterruptas e divertidas no Juvia, na Lincoln Road, Miami Beach. Marcamos para logo um novo encontro, em Colônia, no Uruguai. Ele encomendou uma palestra de Bolsa brasileira a seus principais clientes e eu prontamente atendi. Insistiu em algo iminentemente prático, mas eu, numa traição perdoável, usei alguns minutos para falar de teoria. Até mesmo os argentinos merecem um pouco de Taleb e Kahneman.
Federico Tessore é fundador da Inversor Global, uma espécie de Empiricus da Argentina. Além de gente boa no último, Fede é inteligentíssimo, trabalhador e perdidamente apaixonado por seu país.
“Fede, mas por que, então, abandonou Palermo e veio morar em Miami?”
“Felipe, eu temi pela minha família. Você não pode passar a pátria à frente da família.”
Explico: o maior sucesso editorial do Inversor Global foi uma série batizada El fin de la Argentina, posteriormente transformada em best seller. A ideia de Federico era verdadeira e realmente importante.
Como um apaixonado por seu país, sentia uma espécie de dever fiduciário em relatar o processo de estupro das contas públicas, a disparada da inflação, o congelamento de preços, a perda de valor da moeda e o achatamento da classe média. Tudo isso combinado a esforços absurdos de censura, alguns disfarçados, outros nem tanto.
A vocação do sujeito é essa. O bicho tenta lutar contra, mas tem uma força interna que fica empurrando, perturbando. Ele não poderia fugir, mesmo sabendo da possibilidade de perseguição política de Cristina.
Importante aqui esclarecer que não se tratava apenas de uma postura crítica, niilista. Sempre houve o compromisso em apontar o caminho correto e alternativo, dando ao leitor/investidor as melhores recomendações naquele cenário e também sugerindo vias paralelas de política econômica. “Felipe, poderíamos estar numa situação tão diferente, tão melhor.”
Enquanto ouvia isso, vi seu nariz avermelhar-se e os olhos encherem-se de lágrimas. Parou de falar subitamente, como se tentasse, sem sucesso, enfrentar o nó na garganta antes de eu percebê-lo.
Para evitar o constrangimento, comecei a falar sem parar. Eu também estava triste em ver um sujeito praticamente exilado. Alguém precisando afastar-se de sua terra por simplesmente fazer seu trabalho?
Passei a contar do Brasil, interrompendo. Disse que, embora tivéssemos também uma inflação desconfortável, uma partidarização do Estado e excesso de intervenção na economia jamais chegaríamos àquele ponto.
Falei também um pouco de mim. “Sabe, Fede, embora eu ache Miami incrível, eu nunca deixaria o Brasil. Minha paixão por meu lugar e pela minha gente é tão grande que eu acho que preferiria enfrentar frente a frente mesmo.”
Depois de um silêncio perturbador de um minuto, enquanto dobrava um guardanapo cuidadosamente e o colocava entre os talheres cruzados e o prato, Fede respondeu: “Você acha que as coisas começam por onde?”
Passado um ano, vejo como as coisas pioraram. Eu realmente não acho que a saída para o Brasil seja o aeroporto de Guarulhos. Meu amor com este lugar é tal que me impede de qualquer mudança nesse sentido. Também não acredito na crítica com distanciamento - você precisa viver para sentir.
Mas é chegada a hora de eu reconhecer o Fim do Brasil - ou melhor, ao menos o Fim de um Brasil - e de cumprir meu dever fiduciário. O que esta vida quer da gente é coragem.
O Fim do Brasil será meu grande projeto pelos próximos meses. Estarei dedicado de corpo e alma a esta empreitada. Como recompensa, quero você plenamente satisfeito com o conteúdo (e um pouco mais rico). Estou certo de que posso e devo ser cobrado por isso ao final do processo.
O que temos visto?
· Inflação persistentemente alta, mesmo com preços represados e claro controle de variáveis-chave;
· Deterioração do quadro fiscal, acompanhado de criatividade contábil, uso das estatais para fazer superávit e sucessivo descumprimento das metas;
· Flerte com estrangulamento externo, com déficit em transações correntes mirando 4% do PIB;
· Uso do câmbio para combater a inflação, desafiando a ortodoxia da política monetária, em que se estabelece, canonicamente, ser a taxa de juro o instrumento adequado para tal;
· Queima de reservas pelo Banco Central mesmo num momento de abundante liquidez internacional, eliminando uma munição que será importante quando do início do processo de subida da taxa básica de juro nos EUA;
· Controle e represamento de preços, cuja representação emblemática é a Petrobras, sua deterioração do balanço e a consequente destruição do setor de etanol;
· Excesso e truculência nas intervenções públicas, ocupando o lugar do setor privado (efeito crowding out);
· Risco de abastecimento energético, em grande medida gerado pelo item acima, cujo expoente é a MP 579, que simplesmente dizimou a rentabilidade do setor elétrico, do dia para noite;
· Inabilidade em fazer concessões, como se o concedente pudesse fixar ao mesmo tempo qualidade e taxa de retorno;
· Crescimento econômico pífio, quase sem superar a marca de 2% por dois anos, o que caracterizaria inclusive recessão técnica;
· Aparelhamento de estatais e fundos de pensão pelo partido e por membros da base aliada, destruindo quadros anteriormente técnicos;
· Cerceamento da liberdade de imprensa e ocupação de veículos de mídia pelo partido, de forma direta ou disfarçada, através de uma guerrilha praticada na internet em que sites são derrubados pela militância e criam-se matérias falsas apenas para aparecimento no Google.
O Brasil como Estado, democracia liberal, e estimulante aos empresários dispostos a tomar risco está em xeque. Para usar a devida ponderação, a situação ainda não é periclitante ou explosiva, mas aponta para deterioração adicional do ambiente, desconfiança do investidor estrangeiro e aumento dos prêmios de risco para comprar ativos brasileiros. Doses homeopáticas de sofrimento.
Obviamente, há tempo de se mudar; basta que se ajustem as políticas a tempo.